Mais da metade do esgoto gerado no Brasil volta ao meio ambiente sem tratamento

Esgoto não tratado despejado em lagos, rios e mares carregam diversos poluentes e causam sérios impactos ambientais

Foto: Divulgação

O Brasil coleta e trata menos de 43% de todo o esgoto que é gerado diariamente, o que significa que mais da metade volta à natureza contendo todos os poluentes que causam sérios impactos ambientais e prejudicam a saúde da população. Os dados são do Atlas Esgoto, da Agência Nacional de Águas (ANA). De acordo com o IBGE, cerca de 68% dos domicílios tinham, em 2019, alguma ligação com a rede geral de esgotamento sanitário. O problema é que nem tudo que é coletado é devidamente tratado antes de retornar aos corpos d’água, ou seja, matéria orgânica, hidrogênio, fósforo, organismos patogênicos e demais micropoluentes são despejados onde vamos novamente retirar a água para nosso abastecimento.

O mais problemático no esgoto é a matéria orgânica. O termo para identificá-la no esgotamento sanitário é Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), que corresponde à quantidade de oxigênio consumida por microrganismos presentes em uma certa amostra. Como esses microrganismos realizam a decomposição da matéria orgânica no meio aquático, saber a quantidade desse gás é uma forma efetiva de analisar o nível de poluição existente nesse meio. O Brasil produz por dia 9,1 mil toneladas de DBO com esgotos. Aproximadamente 5 mil toneladas dessa matéria orgânica tornam-se esgoto remanescente, ou seja, são despejados na natureza, sendo que metade disso é despejado a céu aberto.

Os sistemas de coleta em todo o país recebem um volume acima de 15 milhões de metros cúbicos por dia e 99,9% dele é composto por água. Os outros 0,1% são os sólidos. Mesmo parecendo pouco, eles são os que causam maior impacto. Segundo Marcos Von Sperling, professor de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), toda a matéria orgânica que volta para os mananciais, além de carregarem organismos patogênicos, servem de alimento a bactérias que vão consumir todo o oxigênio do local e acabar com toda a flora e fauna aquática.

“O principal poluente de interesse em termos de impacto ambiental está associado à matéria orgânica dos esgotos. Ela é resultado de nossas necessidades fisiológicas, restos de alimentos. Ela vai se tornar um poluente quando cair em um corpo d’água e essa matéria orgânica vai ser alimento das bactérias e de outros organismos que vão se proliferar ali, ou seja, eles vão ter alimento nas águas dos rios, dos lagos. O problema é que eles crescem, por conta da demanda de alimento, e vão precisar de oxigênio. Ao respirarem, elas vão consumir o oxigênio que é importante aos peixes e toda a vida aquática”, explica o professor. “Esse é o maior problema e que as estações de tratamento de esgoto tentam evitar, ou seja, vão remover a matéria orgânica dos esgotos para que ele tenha menos impacto poluidor. O DBO é uma determinação indireta da concentração de matéria orgânica presentes nos esgotos.”

Situação no Brasil

Segundo o IBGE, as regiões com menor acesso à rede geral de esgotos em 2019 eram o Norte (27,4%) e o Nordeste (47,2%). Enquanto isso, o Sudeste alcançava estimativa de 88,9%, Sul e Centro-Oeste ficavam entre 68,7% e 60,0%, respectivamente. Todas elas apresentaram alguma melhora de 2018 para 2019 (o Norte tinha pouco mais de 21%), mas ainda assim dependem de uma melhoria geral para elevar o nível de saneamento no país.

A situação do atendimento da população brasileira com serviços de esgotamento sanitário pode ser caracterizada da seguinte forma: 43% é atendida por sistema coletivo (rede coletora e estação de tratamento de esgotos); 12% é atendida por solução individual (fossa séptica); 18% da população se enquadra na situação em que os esgotos são coletados, mas não são tratados; e 27% é desprovida de atendimento, ou seja, não há coleta nem tratamento de esgotos.

“O Brasil é um país continental, com uma ampla diversidade regional. Temos regiões que em termos de coleta a cobertura é muito baixa e em alguns locais ela alcança até 100%, dependendo da cidade’, ressalta Marcos. “Nós temos que entender, também, que no interior do país e principalmente na zona rural, nós temos soluções individuais, ou seja, a residência tem sua fossa, tem filtro de esgoto no solo e dá uma solução adequada ao esgoto.”

Poluentes

Segundo dados do IBGE, a população urbana do Brasil em 2020 é estimada em 184,4 milhões de pessoas. Cerca de 70% dos 5.570 municípios brasileiros possuem remoção de, no máximo, 30% de carga orgânica gerada. Apenas 31 de cada 100 municípios mais populosos possuem remoção de carga orgânica acima de 60%. Mas não é apenas o material orgânico que preocupa. Essas quase 185 milhões de pessoas despejam muita coisa no meio ambiente.

De acordo com o professor associado do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), Fernando Fabriz Sodré, o esgoto é resultado de produtos de excreção, produtos usados e descartados no dia a dia das cidades, ou seja, as unidades de tratamento já esperam produtos químicos, além do resultado fisiológico. “Essas inúmeras substâncias químicas e biológicas caracterizam o esgoto da maneira que ele é. Faz parte naturalmente da composição do esgoto”, explica.

Marcos Von Sperling, da UFMG, explica que além da rede de esgoto domiciliar nós temos as atividades comerciais, restaurantes, lanchonetes, pequenas fábricas de fundo de quintal, hospitais, escolas, dentre outros estabelecimentos conectados à rede de coleta. Todos eles despejam certos produtos que acabam voltando ao meio ambiente mesmo após coleta e tratamento.

“Um dos problemas, por exemplo, é o detergente. Algumas estações conseguem retirá-lo, mas a maioria não. Tanto que é comum ver cursos d’água com muita espuma. Isso acontece porque o detergente chegou até esse curso d’água”, destaca.
O professor lembra que o tratamento de esgoto é um processo em constante evolução, tanto que agora já é possível identificar outros poluentes que antes passavam despercebidos. “À medida que o tratamento de esgoto vai avançando, vamos descobrindo aos poucos outros poluentes que acabam passando, como resquícios de antibióticos, produtos de limpeza que usamos, anticoncepcionais, mas todos eles em concentrações diminutas, tanto que até bem pouco tempo não conseguíamos nem medir. Mesmo assim temos de prestar atenção em todos eles, desde o DBO, passando pelo hidrogênio e fósforo, os organismos patogênicos e até esses micropoluentes, cada um com seu devido impacto”, alerta.

O que deve ser feito

O Atlas Esgoto foi criado para caracterizar a situação do esgotamento sanitário em todos os municípios brasileiros, avaliar o impacto do lançamento dos esgotos nos corpos d’água e propor soluções e estratégias de caráter técnico e institucional.

A implementação das soluções de esgotamento e os investimentos serão feitos de forma gradual. De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), com horizonte estabelecido em 2035, serão investidos aproximadamente R$ 150 bilhões em obras de coleta e tratamento dos esgotos.

Os 5.570 municípios foram divididos em três grupos de acordo com sua capacidade institucional de prestação de serviço de esgotamento sanitário, de forma a fazer a abordagem diferenciada. O Grupo A, de Situação Institucional Consolidada, deve receber R$ 42 bilhões em investimentos, sendo 36% em tratamento e 64% em coleta. Já os 1.690 municípios do Grupo B, de Situação Institucional Intermediária, precisarão de um pouco mais: R$ 54,2 bilhões de investimentos, sendo 37% em tratamento e 63% em coleta, como explica Diana Cavalcanti, coordenadora de Qualidade de Água e Enquadramento da ANA.

“O Grupo A apresenta os melhores índices de atendimento, com 79% de cobertura de coleta de esgotos, e 62% de tratamento coletivo, mas ainda assim é levada a necessidade de investimentos. O Grupo B, de situação institucional intermediária, inclui municípios que possuem prestadores de serviços com razoáveis condições institucionais, mas demandando alguma medida de adequação em sua capacidade de gestão técnica e operacional”, destaca.

Segundo Diana, o caso mais complicado é o Grupo C, que abrange os 2.598 municípios em condições menos favoráveis do ponto de vista institucional, onde existe pouco ou nenhum prestador e pouca verba, o que dificulta o trabalho na região. Eles devem receber pouco mais de R$ 53 bilhões de investimentos, sendo 24% em tratamento e 76% em coleta.

“O Grupo C corresponde ao conjunto de municípios em condições menos favoráveis do ponto de vista institucional, sem prestador de serviço de esgotamento sanitário institucionalizado ou com prestador pouco estruturado e com baixa capacidade operacional financeira”, pontua. “Grande parte desse grupo, 86%, está representado por municípios de pequeno porte, com população menor que 20 mil habitantes, com maior concentração nos estados Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Tocantins, Rio Grande do Sul e Norte de Minas Gerais.”

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