Denúncia: Falta de EPIs nos hospitais brasileiros

Plataforma da AMB já recebeu reclamações anônimas de 782 municípios em todo o país

A enorme demanda de atendimentos médicos no combate ao novo coronavírus provocou a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para os profissionais da linha de frente em todos os hospitais do país. Para saber a gravidade da situação, a Associação Médica Brasileira (AMB) criou, em 19 de março, uma plataforma na internet para denúncias anônimas e registrou, até o último dia 21, quase 4 mil reclamações.

A partir dos relatos recebidos, a AMB comunica os estabelecimentos apontados, solicita esclarecimentos e a atualização das informações e notifica o Ministério da Saúde, o Conselho Regional de Medicina (CRM), as Secretarias de Saúde Municipal e Estadual, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério Público.

De acordo com a AMB, até o dia 21 de julho, 782 municípios já tinham se pronunciado na plataforma. O estado de São Paulo é o líder em escassez de EPIs, com mais de 1.398 registros em 176 municípios. Apenas na capital, foram 455 denúncias. Rio de Janeiro aparece na sequência, com 422 reclamações em 59 municípios, seguido de Minas Gerais, com 398 denúncias de 114 cidades. São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre são as três capitais com maior número de registros, que em todo o país já somam 3.873.

Entre os produtos mais recorrentes nas reclamações estão: Máscara tipo N95 ou PFF2 (85%), Óculos ou Face Shield (66%) e Capote impermeável (65%). Uma denúncia afirma que costuma conter mais de um material em falta nos locais de atendimento.

Como denunciar

Médicos e profissionais de saúde devem acessar a Plataforma da AMB para fazer denúncia de forma totalmente anônima. A população também pode entrar no site para acompanhar os dados da pesquisa.
Dentre os relatos registrados na plataforma e divulgados pela AMB, consta a reclamação de um profissional de saúde de São Paulo que denunciou procedimentos equivocados quanto à distribuição de máscaras. “O hospital está nos obrigando a utilizar a mesma marcara N95 desde o início da pandemia! E eles se recusam a trocar as nossas máscaras, que antes tinham validade de 7 dias.”, relata.

A Brasil 61 entrou em contato com a AMB, solicitando entrevista, mas a Associação alegou falta de agenda.

Situação crítica em São Paulo

Segundo Solange Caetano, presidente licenciada do Sindicato dos Enfermeiros de São Paulo, as denúncias são constantes desde que começou a pandemia, principalmente em São Paulo que concentrava e continua concentrando o maior número de casos. O sindicato notificou várias empresas, tanto do setor público quanto do privado, orientando que se fornecesse os EPIs para que os profissionais ficassem protegidos.

“Ao longo do tempo continuamos recebendo denúncias e tivemos que entrar com outras ações, contra o estado, contra o município de São Paulo e garantimos uma liminar para que esses trabalhadores recebessem equipamentos de proteção em quantidade e qualidade necessárias. Isso diminuiu um pouco as reclamações, mas elas ainda continuam”, relata.

Solange explica que as reclamações ocorriam mais na capital, onde havia a maior concentração de casos. Agora, ocorre o contrário. “Nesse momento a gente tem uma inversão. Temos mais reclamações do interior porque o número de casos tem aumentado por lá. Na região de Sorocaba, por exemplo, temos muitas denúncias relacionadas à falta de EPI. Esse dado sofre a falta de máscara é verídica, não a máscara cirúrgica, mas a máscara PFF2 ou a N95, que são indicadas para ter contato com pacientes que têm Covid-19. Isso não tem chegado aos trabalhadores”, denuncia.

Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo informou que possui, atualmente, um estoque com mais de 29 milhões de Equipamentos de Proteção Individual, considerando os principais itens, entre álcool etílico 70°, mais de 3,2 milhões de máscaras cirúrgicas e 92 mil máscaras N95.

Solange aponta que deve haver problemas na distribuição, já que o estado alega ter estoques dos equipamentos. Ela também alega que é preciso um maior número de equipamentos adequados, como as máscaras PFF2 ou a N95, já que a máscara cirúrgica não é considerada como um equipamento de proteção.

“Nós temos dois fatores. Se estão comprando, como que está chegando nas instituições e por que isso não está chegando ao trabalhador? Em algum lugar tem problema. Segundo, a máscara cirúrgica só deve ser usada quando há distanciamento de 1,5 metro a 2 metros do paciente. Não dá para o trabalhador continuar usando máscara cirúrgica porque ela não protege como deveria proteger.”

Antecipação

Segundo a plataforma da Associação Médica Brasileira, o estado do Rio de Janeiro é o terceiro estado com municípios que mais denunciaram e a capital é a segunda com o maior número de reclamações. Foram 422 até a manhã de 23 de julho.

Segundo Jorge Darze, subsecretário geral de Saúde da capital fluminense, o prefeito do Rio de Janeiro acabou preparando o município para a pandemia sem saber, em meados do ano passado, quando renovou o parque tecnológico da rede municipal de saúde. Jorge explica que Marcelo Crivella visitou a China para conhecer fábricas de equipamentos médicos e fechou uma compra de 18 mil itens a preço de fábrica, parcelado em cinco anos, entre aparelhos e equipamentos de proteção.

“Esses equipamentos que foram comprados em meados do ano passado, foram comprados em um momento em que nós não sabíamos que teríamos mais adiante uma pandemia. O prefeito foi visionário porque conseguiu, com essa decisão, comprar 18 mil itens. E entre eles estão 800 respiradores.”

O subsecretário explica que o Rio de Janeiro talvez seja a primeira e única prefeitura que se capacitou para o enfrentamento dessa pandemia muito antes de ela se tornar avassaladora. Ele conta que o município se preparou dois hospitais exclusivamente voltados para essa doença e contou com 10 milhões de equipamentos de proteção individual que se somaram aos equipamentos adquiridos na China em 2019.

“Quando a AMB fala das dificuldades que os médicos têm no Brasil e no mundo, sobre os EPIs, isso se deu muito mais no início da pandemia, porque esse equipamento ficou em falta no mundo todo […], mas a prefeitura já tinha comprado na China essa grande quantidade de EPIs que também chegaram junto com os demais equipamentos. Aqui, se a gente teve alguns momentos de dificuldade para ter acesso a equipamentos de proteção individual, foram períodos muito curtos, ligados ao início da doença”, ressalta.

Jorge destaca também que os 800 respiradores adquiridos em 2019 e que chegaram agora foram providenciais, já que cerca de 400 dos aparelhos antigos, que foram substituídos, serviram para ajudar cidades próxima à capital. “Com a chegada desses equipamentos novos, desses 800 respiradores, esses anteriores que estavam em uso estão sendo hoje cedidos a vários municípios do Rio de Janeiro, que está fazendo o papel que caberia ao governo do estado, de oferecer suporte aos municípios próximos para que essa população seja atendida no seu local de moradia.”

Equipamentos entregues

Segundo o Ministério da Saúde, até o dia 17 de julho o Governo Federal já tinha distribuído mais de 183 milhões de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para todo o país. Entre os itens estão máscaras, aventais, óculos e protetores faciais, toucas, sapatilhas, luvas e álcool.

Segundo o balanço, o Ministério da Saúde já entregou aos estados 564,2 mil litros de álcool; 3,1 milhões de aventais; 36,9 milhões de luvas; 8,6 milhões de máscaras N95; 114,9 milhões de máscaras cirúrgicas; 1,8 milhão de óculos e protetores faciais; e 17,1 milhões de toucas e sapatilhas. Os materiais foram entregues para as Secretarias Estaduais de Saúde, responsáveis por definir quais os serviços de saúde vão recebê-los, a partir de um planejamento local.

A população pode acompanhar a quantidade de EPIs distribuída a cada estado por um Painel Online criado pelo Ministério da Saúde. Na plataforma também é possível acompanhar a quantidade de leitos habilitados, de testes entregues, insumos e outros itens disponibilizados para cada estado.

Segundo a ferramenta da pasta, o Rio de Janeiro já recebeu mais de 15 milhões de EPIs, sendo quase 780 mil máscaras N95. Já São Paulo teria recebido, entre máscaras, álcool, luvas, óculos e demais protetores, cerca de 27 milhões de itens.

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